BREVE HISTÓRIA DA ORIGEM DO TERMO CULTIVAR
Consideramos de vital importância salientar, já de início, que o cultivar é ativo da propriedade intelectual. É fruto da produção intelectual e é protegido por lei. Trata-se de proteção que a doutrina denomina de sui generis.
Embora a expressão CULTIVAR já tenha relativo trânsito na comunidade, o seu sentido técnico estrito ainda carece de divulgação. Em geral, no meio acadêmico e profissional as pessoas sabem, medianamente, que um Cultivar é um tipo de proteção que é obtida pela obtenção de uma nova variedade vegetal “superior” (com mais atributos que a variedade natural). O presente ensaio visa aprofundar essa noção, de uma forma mais leve e descomplicada.
Após as noções acima, um bom ponto de prosseguimento no tema situa-se justamente na origem do termo “Cultivar”. Pois bem, ao contrário do que a massa leiga possa pensar, a palavra Cultivar, no sentido de uma nova variedade de planta, não advém do idioma português. Na verdade, ela foi criada por Liberty Hyde Bailey, norte-americano nascido em South Haven, Michigan, em 1858 (e falecido em 1954!), que obteve algum renome com suas atividades de conhecido botânico, horticultor e muitas atividades correlatas, levadas a cabo de forma diferenciada.
Bailey foi um estudioso de tais assuntos, estudou na Michigan Agricultural College (Michigam State University), na Cornell University College of Agriculture and Life Sciences. Foi autor de diversas produções literárias, dentre as quais Ciclopédia da Agricultura Americana (1907-09), Ciclopédia da Horticultura Americana (1900-02) e uma extensa série de Manuais de Ciência Rural. A ele é reputada a fundação da Sociedade Americana de Ciências Horticulturais. Veja mais sobre tal histórico em New World Encyclopedia .
Pois bem, o currículo acima, claramente sintético, não faz justiça ao renomado cidadão, que possui uma relação muito mais extensa de produções literárias trajetórias profissionais. Mas permite antever que o conhecimento sobre tais assuntos era a sua razão de existir. E desta história pessoal e de contínuos experimentos e reflexões em campo é que surgiu da conjugação de duas palavras, o termo CULTIVAR: cultivated e variety.
Portanto, traduzindo-se do inglês para português, poderiamos apressadamente dizer que, a princípio, CULTIVAR advém de CULTIVADO e de VARIEDADE. Simples?
Não.
Não porque o sentido VARIEDADE utilizado pelo instruído senhor Bailey não é o mesmo que aquele usado no mercado de sementes e plantas. Mas, outro, adotado no XIII Congresso de Horticultura de Londres, 1952, como forma de distinguir as variedades cultivadas daquelas fruto da natureza sem interferência humana.
Assim, por decorrência desse consenso técnico mundial, entre outros repositórios acadêmciso, essa expressão hoje consta de um documento com alguma porção de glossário, denominado Plant Nomenclature, dos registros doutrinários da biblioteca do Department of Horticulture and Landscape Architecture, de Purdue University, de West Laffayette, em Indiana, Estados Unidos.
No citado manual interno consta o seguinte, como descrição de cultivar:
Cultivar: A term coined by Liberty Hyde Bailey and derived from the term “cultivated variety”. It is defined as an assemblage of cultivated plants, which are clearly distinguished by one or more characters, and which when reproduced (sexually or asexually) retains its distinguishing characteristics. A yellow stem form of Redosier Dogwood is Cornus sericea ‘Flaviramea’. The cultivar name is not italicized or underlined and has single quotes on either side of the name. Cultivar is abbreviated cv. so the plant could also be named with the single quotes deleted, such as, Cornus sericea cv. Flaviramea.
Nessa medida, dos fatos históricos aqui trazidos sucintamente, se constata que o termo CULTIVAR possui um sentido todo próprio. E certamente bem longe do que a percepção leiga poderia permitir apenas numa mirada de olhos em um jornal. Porém, deixando a proposital e irônica arrogância de lado, é fato que este termo possui significação de peso. Peso técnico, refira-se em passant. Se palavras fossem possíveis de serem pesadas, essa exibiria opulência.
CONCEITOS TÉCNICOS E LEGAIS
Ainda com a mente no passado, através da introdução histórica antes alinhada de forma breve, podemos iniciar este tópico de conceituações de diversas naturezas. E o primeiro empréstimo doutrinário que fazemos, é justamente do escólio da Universidade Purdue, sobre Cultivar, efetuando-se tradução livre:
Cultivar: Um termo cunhado por Liberty Hyde Bailey e derivado do termo “variedade cultivada”. É definido como um conjunto de plantas cultivadas, que são claramente distinguidas por um ou mais caracteres e que, quando reproduzidas (sexualmente ou assexuadamente), mantém suas características distintivas. Uma forma de caule amarelo de Dogwood Redosier é Cornus sericea ‘Flaviramea’. O nome da cultivar não está em itálico ou sublinhado e possui aspas simples nos dois lados do nome. Cultivar é abreviado cv. para que a planta também pudesse ser nomeada com as aspas simples excluídas, como Cornus sericea cv. Flaviramea.
Parece não existir dúvidas de que a clareza saxâ do conceito supra é bastante útil para o presente artigo. Mas não é a única em termos de origem. O conceito de procedência legal é dos mais importantes na lida diária a Propriedade Intelectual . E isso avoca imediatamente a lei n. 9.456, de 25 de abril de 1997, que é o principal diploma de regência do micro-sistema legal dos Cultivares. Se o cultivar é um ativo de propriedade intelectual, por um lado, também é verdade que o mesmo é catalogado como sendo proteção sui generis.
Nada obstante existam muito outros elementos que a citada lei aborda, aqui vamos citar o inciso IV, do artigo 3º, que define o que é cultivar para o legislador:
IV – cultivar: a variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como a linhagem componente de híbridos;
O conceito supra é bastante distante do conceito de Purdue.
A nossa convicção sobre a razão disso reside no fato (fato legal) de que a lei trata do viés da propriedade intelectual. E dos aspectos técnicos práticos para confirmar esse viés de proteção.
Essa realidade pode ser vista no artigo 2º, que é expresso ao dizer que “A proteção dos direitos relativos à propriedade intelectual referente a cultivar se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar, considerado bem móvel para todos os efeitos legais e única forma de proteção de cultivares e de direito que poderá obstar a livre utilização de plantas ou de suas partes de reprodução ou de multiplicação vegetativa, no País”. Por isso, sem dúvida o cultivar é ativo da propriedade intelectual.
Na verdade e a propósito, tal redação é muito parecida com a dicção da lei 9279/96, que trata de propriedade industrial, que é englobada pela propriedade intelectual. Basta ler os primeiros artigos da lei 9279/96, que trata da natureza de bem móvel, entre outras particularidades.
Após observar o conceito legal do citado o inciso IV, do artigo 3º, da lei 9456/97, é lícito vislumbrar os seguintes elementos que devem estar presentes no cultivar:
- Ser vegetal
- Ser superior: Este termos guarda alguma subjetividade. Mas, usando o contexto de seu uso, podemos afirmar no significado mais óbvio (Carlos Maximiliano recomenda ao esgotamento da hermenêutica, da mais simples à mais complexa) ou de interpretação de forma simples, que ser superior é apresentar atributos de qualidade de uso ou consumo. Exemplos: mais resistente, maior produtividade, maior riqueza de nutrientes, maior facilidade de manuseio ou manejo. Uma questão: e se não for superior, mas for nova. Continua a ser um Cultivar?
- Ser distinguível de outras cultivares. Aqui estaria a “porta de entrada” ao merecimento do certificado: o aspecto da novidade, similar às invenções das patentes. Mas, embora seja aparentemente similar, tecnicamente é diferente. Patentes não se confundem com Cultivares. O artigo 2º, da lei 9456/97 diz expressamente que Cultivar é a ÚNICA forma de proteção. E a UPOV que o Brasil se filiou foi a versão de 1978, que vedava patentes para cultivares. Ainda que a versão UPOV de 1991 não tenha tal vedação. Finalmente, o artigo 18, da lei 9279/96 veda patente DE PRODUTO para Cultivar – Embora, como diga Denis Borges Barbosa (2010) , não tenha vedação para processo.
- Que seja homogênea e estável quanto aos descritores: Este fato técnico deve ser possível de ser aferido nas gerações sucessivas. Se ocorrer alteração, pode ficar comprovado que o cultivar não é estável.
- Passível de uso – Esse requisito lembra, analogicamente, o requisito da aplicação industrial, próprio das patentes de invenção. Esse exemplo e uso da Patente por analogia é aqui emprestado meramente para compreensão da substância da UTILIDADE. Porque patente é uma coisa, e Cultivar é outra. Na verdade é um requisito de utilidade. O legislador parece querer que a certificação de cultivares se ocupe apenas de efetivos acréscimos ao bem estar da humanidade. Deixando de lado os exercícios de capacidade de obtenção de cultivares inúteis para o homem. Mas sobretudo, que o cultivar seja diferente um do outro, sem a necessidade de melhorias funcionais, como ocorre em patentes.
A PROTEÇÃO ADMINISTRATIVA DO REGISTRO DE CULTIVAR
Nada obstante a proteção de cultivar tenha natureza de propriedade intelectual e assemelhe-se a uma patente, o seu registro não é efetuado no INPI. Na verdade, ele ocorre através de pedido de registro validamente deferido perante o Serviço Nacional de Proteção à Cultivares – SNPC, de nova variedade de Cultivar, que se materializa através de Certificado de Proteção Cultivar. Pois o cultivar é um ativo de propriedade intelectual e por isso merece proteção específica.
Vale ressaltar que esta proteção se opera pelo período de dezoito anos de utilização exclusiva e possui fundamento no estímulo estatal ao desenvolvimento tecnológico, já que os métodos de desenvolvimento de tecnologia de cultivares exigem investimentos e consomem tempo. Os direitos de uso exclusivo destinam-se a remunerar os esforços dos melhoristas.
Igualmente merece destaque o fato de que tal proteção é territorial e é deferida no País onde foi requerida. Se o titular quiser proteger em outro País deverá obter tal proteção em tal País.
Ademais, outro ponto importante a ser lembrado aqui reside no fato de que a PROPRIEDADE do cultivar, como bem móvel ou ativo de propriedade intelectual, decorrer da concessão de Proteção Cultivar, conforme expressamente previsto no artigo 2º, da lei 94556/97.
LEGISLAÇÃO:
O microssistema legal é basicamente formado por lei e decreto de proteção de cultivar, Convenção Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais, lei de sementes e mudas e lei de acesso à recursos vegetais. Os diplomas legais que formam o microssistema de proteção de cultivares são os seguintes:
- – Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997 (Lei de Proteção de Cultivares -LPC);
- – Decreto nº 2.366, de 5 de novembro de 1997(Decreto regulamentador da LPC);
- – Decreto Legislativo nº 28, de 19 de abril de 1999 (Decreto legislativo que internalizou a Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais);
- – Decreto nº 3.109, de 30 de junho de 1999 (Decreto presidencial que promulgou a Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais). As principais legislações correlatas são:
- – Lei nº 10.711, de 05 de agosto de 20003 (Lei de Sementes e Mudas);
- – Decreto nº 5153, de 23 de julho de 2004 (Decreto regulamentador da Lei de Sementes e Mudas);
- – Lei 13123, de 20 de maio de 2015 (Lei de Acesso a Recursos Genéticos)
- Acordo TRIPS (Seção 5ª, art.27, item 3 (b))
LEITURAS RECOMENDADAS:
– PROPRIEDADE INTELECTUALDESENVOLVIMENTO NA AGRICULTURA – GEDAI – Denis Borges Barbosa e Marcos Wachowicz – EBOOK Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – Universidade do Paraná – Curitiba, 1º edição
– A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS CULTIVARES NO BRASIL – Selemara Berckembrock Ferreira Garcia- Editora Juruá
Autor: Carlos Ignacio Schmitt Sant´Anna – ©
daniel
4 anos atrásExcelente artigo, recomendo a todos este post
Michaelimpof
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