Em outro artigo de nossa publicação, tangenciamos o assunto da inovação e vida da propriedade intelectual. Na verdade, mais preciso seria dizer inovação e vidas dos direitos de propriedade intelectual. Ver em https://www.marcasepatente.com.br/a-inovacao-na-propriedade-intelectual/ .
Cabe lembrar que no citado artigo efetuamos um breve passeio pela lei n. 10973/2004, que tratou expressamente a inovação, conceituando o núcleo duro desta última como medularmente ínsito à propriedade intelectual.
Além disso, e referimos em passant sobre o relevante aspecto da inovação como elemento categorial essencial à qualquer negócio jurídico que envolva as modalidades de propriedade intelectual.
A propósito e rapidamente, ou en passant, parece que o novo ou a inovação, em suas variadas formas de apresentação (relativa ou absoluta) sempre esteve presente na vida dos ativos, como negócios jurídicos, de propriedade intelectual. E o fizeram na forma de basilar elemento categorial essencial. Sem o qual o negócio jurídico não se chega a se formar, porque ausente o fato.
FATO JURÍDICO LATO SENSU
Para melhor compreensão, trazemos aqui breve memória da classifica divisão de categorias, preconizada por PONTES DE MIRANDA, de origem alemã. Segundo o citado autor, o FATO JURÍDICO lato sensu, incorpora o fato jurídico strictu sensu, o ato-fato jurídico e o ato jurídico lato sensu.
Por sua vez, o ato jurídico lato sensu, de importância direta na dissecação da inovação como elemento ínsito à formação das diversas modalidades de propriedade intelectual, incorpora o ato jurídico em sentido estrito e o negócio jurídico, este último o que nos chama mais a atenção.
No fundo, negócio jurídico é uma espécie de fato jurídico, como deflui da lição de ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO (Junqueira de Azevedo, Antônio, in Negócio Jurídico, Ed. Saraiva, 1986, p. 32.)
Sobre o assunto, prosseguimos citando Antonio Junqueira de Azevedo: o fato jurídico “é o nome que se dá a todo fato do mundo real sobre o qual incide a norma jurídica”.
Dessa forma, quando surge esta sobreposição do tecido normativo sobre o epitélio fático a subsunção do fato é norma, ou a incidência desta, determina-se no mundo a entrada ou surgimento do negócio jurídico. O que também é ensinado por Pontes de Miranda (in Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, Borsói, 1970, v. 1 e 2).
ELEMENTOS CATEGORIAIS
Após tal demonstração da conhecida doutrina do fato jurídico, aproximamo-nos do assunto dos elementos categoriais. Os ditos elementos categoriais estão presentes em qualquer negócio jurídico, alguns reputados pela doutrina como essenciais (essentialia negotii), naturais (naturalia negotii) e acidentais (accidentalia negotii).
Sobre tal tema, podemos citar o ensinamento de Washington de Barros Monteiro (Monteiro, Washington de Barros, in Curso de Direito Civil: parte geral. 5ª Edição ver. Aum. São Paulo, Saraiva, 1966, v. 1, p. 184):
“Os primeiros são os elementos essenciais, à estrutura do ato, que lhe formam a substância e sem os quais o ato não existe. Numa compra e venda, por exemplo, os elementos essenciais são a coisa, o preço e o consentimento (res, pretium et consensus). Faltando um deles, o ato não existe. Os segundos (naturalia negotii) são as conseqüências que decorrem do próprio ato, sem que haja necessidade de expressa menção.
Na mesma compra e venda, por exemplo, são elementos naturais, resultantes do próprio negócio, a obrigação que tem o vendedor de responder pelos vícios redibitórios (art. 1.101) e pelos riscos da evicção (art. 1.107; a obrigação que tem o comprador de dar a garantia a que se refere o art. 1.092, 2ª alínea, caso lhe sobrevenha diminuição patrimonial, capaz de comprometer a prestação a seu cargo. Os terceiros (accidentalia negotii) são estipulações que facultativamente se adicionam ao ato para modificar-lhe uma ou algumas de suas conseqüências naturais, como a condição, o termo e o modo, ou encargo (arts. 114, 123 e 128), o prazo para entregar a coisa ou pagar o preço”.
Sempre lembrando que ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO retira as manifestações de vontade da estrutura do fato jurídico.
EFICÁCIA, VALIDADE E EXISTÊNCIA
Outro ponto sensível que merece ser lembrado aqui diz respeito aos planos de eficácia, validade e existência.
Sendo direto e muito objetivo, cabe lembrar que pior do que não ter eficácia, é não ter validade.
E pior do que não ter validade, é não existir. No caso do assunto dos elementos categoriais essenciais, o fenômeno jurídico opera-se no plano da existência.
LEI 9279/96: QUANTO AO ARTIGO 8º, OCORRE NULIDADE OU NÃO EXISTÊNCIA DA PATENTE?
Pois bem, como qualquer negócio jurídico, a propriedade intelectual também pressupõe a presença de elementos categoriais. Vamos tomar, por exemplo, novamente, uma patente, que externa uma das formas de proteção (através da exclusividade artificial – referida por DENIS BORGES BARBOSA em Direito da Inovação, p. xxi) à propriedade intelectual em invenções.
Observe-se, assim, segundo dispõe o artigo 8º, da lei 9279/96, que ”É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.”
Os três requisitos acima definidos como tal pela lei, em realidade, são vários elementos categoriais, ditos essenciais. Mas não bastam para definir uma patente como tal. Há também que existir o ato administrativo do INPI, único autorizado a emitir a patente e sua materialização (que é o certificado).
Se estiverem presentes apenas o ato inventivo, a novidade, e a aplicação industrial, mas não existir o ato administrativo do INPI, é lícito dizer que não existe patente.
Mas será que apenas a falta do ato administrativo é que inquina de inexistente a patente? E se faltar, por exemplo, qualquer um dos outros três elementos citado no caput do artigo 8º, da lei 9279/96, não estaremos novamente diante da inexistência da patente? Acreditamos que sim.
Ainda que a lei 9279/96 venha a usar o termo “nulidade”, quando diz, usando uma patente como exemplo, que é “É nula a patente concedida contrariando as disposições desta Lei.” (art. 46, da lei 9279/96), nos parece existir alguma imprecisão legal, em pensar em nulidade, nesse caso.
Com efeito, parece que é mais correto considerar que a falta dos requisitos do artigo 8º seriam caso de inexistência da patente, já que os mesmos são elementos categoriais essenciais. Quanto à infração de outros elementos de processo, aí sim parece que incidiria o artigo 46, como sendo caso de nulidade.
Ou seja, se não estiver presente a novidade, ou a atividade inventiva, ou aplicação industrial, BEM COMO do necessário ato administrativo do INPI, não estaremos diante de uma patente.
Especificamente com relação à inovação, cabe inicialmente lembrar que a mesma foi objeto de lei específica, no caso, a lei 10973/2004. E cujo artigo 2º expressamente vinculou a criação (que é não é sinônimo de inovação, mas que certamente constitui o núcleo desta última) de forma expressa à propriedade intelectual.
O termo inovação passou a circular com o significado especial da lei 10973/2004, associadamente à propriedade intelectual, apenas a partir da virada do século, como um glossário técnico qualificado pelo movimento de desenfreada busca tecnológica em todas as arenas da concorrência mundial.
Como historicamente as tecnologias foram objeto de apropriação – por criadores ou por quem adquiriu tais formas de fazer, é lícito dizer que a inovação, em seu sentido mais relevante (que é o vinculado aos meios de produção do planeta) ao longo da história, misturou-se com a propriedade intelectual.
E foi erigida silenciosamente como elemento categorial essencial. Posto que, o que não era novo, não era passível, em regra, de merecer proteção. Seja na forma de marca, patente, modelo de utilidade, ou até mesmo de ser reconhecida como criação autoral.
O que se quer dizer que é o termo inovação já existia e que até vinha sendo utilizado na resenha doutrinária da propriedade intelectual. Mas que foi na lei 10973/2004 que tal termo foi (1) expressamente vinculado à propriedade intelectual e (2) acabou por ter sua importância ampliada, em razão de sua importância para o desenvolvimento. Através da conceituação do termo criação, que consta no artigo 2º, da lei 10.973/04.
Fazendo com que claramente o NOVO, ganhasse a cena da APLICAÇÃO INDUSTRIAL do ATO INVENTIVO.
Em tempos mais pretéritos – mas nem tanto, Joseph Schumpeter desvinculou ou externou seu entendimento separando INVENÇÃO de INOVAÇÃO. Um dos fundamentos para isso decorreu de considerar a Inovação como sendo algo mais amplo e que propiciaria o surgimento de invenção. E, claro, o aspecto econômico: a inovação necessitaria o empreendimento.
Mais modernamente, a inovação é vinculada á idéia de um processo complexo, composto de pesquisa, investimento de recursos e políticas públicas, que geram modos melhores de fazer a indústria e os serviços. Inovação tem a ver com o novo, com eficiência e com demanda. Nesse cenário, a invenção seria um dos resultados práticos da inovação.
Nessa medida e embora essa clara diferença de amplitude seja visível, e que, portanto, inovação não seja sinônimo de invenção, julgamos que não seja correto afastar uma da outra, mais do que suas amplitudes permitem. Porque o elo de ligação do novo e da criação lhe são comuns. A substância jurídica e legal de ambas possui intersecções. As quais devem cada vez mais serem descobertas pelo olhar atento da humanidade.
NORMAS SOBRE INOVAÇÃO
Abaixo, as normas sobre INOVAÇÃO.
– Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 – Regula direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial. Veja em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm .
– Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98 – Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Veja em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm .
– Convenção da União de Paris. Veja em http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/cup.pdf
– TRIPS (em português, conforme publicação no DOU 31/12/1994, Seção I, Suplemento ao N.248-A). Veja em http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdfhttp://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdf .
– Legislações dos países-membros da OMPI (plataforma WIPO Lex). Veja em https://wipolex.wipo.int/en/main/legislation .
LEITURAS RECOMENDADAS
A respeito dos assuntos aqui tratados, recomendamos as seguintes leituras:
– Negócio Jurídico – Antonio Junqueira De Azevedo , Ed. Saraiva, 1986, p. 32.
– Curso de Direito Civil: parte geral – Washington De Barros Monteiro – 5ª Edição ver. Aum. São Paulo, Saraiva, 1966, v. 1, p. 184.
– Tratado da Propriedade Intelectual – Tomo V – Denis Borges Barbosa – Editora Lumen Iuris – 2015.
– Direito da inovação: comentários à Lei no. 10,973/2004, Lei Federal da Inovação Denis Borges Barbosa-, Editora Lumen Iuris, 2006.
– Direitos fundamentais: direito privado e inovação – Autores diversos – EDIPUCRS, 2012 –
Autor: Carlos Ignacio Schmitt Sant´Anna – ©