Uso, propriedade e caducidade de marca

 

Através deste ensaio, vamos tratar do  uso, propriedade e caducidade de registro de marca e de suas repercussões. Prefacialmente, cabe lembrar que o presente ensaio, como muitos outros deste blog, visa sobretudo orientar tecnicamente até mesmo o leigo. Portanto, queremos que seja muito funcional e prático.

 

Nós bem sabemos do conhecido empreendedorismo inato do brasileiro, que o leva muitas vezes a arvorar-se em áreas fora de suas competências. O que não recomendamos… mas entendemos plenamente.

O tema do uso, propriedade e caducidade de registro de marca constitui questão deveras importante. O empresário, ainda que leigo em direito de propriedade intelectual, deve estar atento ao lado funcional destes aspectos jurídicos. Vamos abordar os seguintes aspectos:

  • – A necessidade de uso como exigência legal.
  • – A comprovação deste uso para segurança da marca.
  • – O uso de marca revestida de suficiente distintividade
  • – Os direitos que o simples uso (sem registro) pode conferir. Uso e propriedade.

 

  • Necessidade de uso da marca como exigência legal

 

O tema da necessidade legal de uso da marca é questão nuclear no assunto dos direitos e repercussões do uso da marca. O sistema jurídico brasileiro não exige a titularidade de registro para a marca. Você não é obrigado a deter um registro de marca.  Somente em alguns esta obrigatoriedade é indireta e decorre de outras exigências. Como, por exemplo, ocorre no caso de marcas de medicamentos, cuja venda pressupõe a obtenção de licença junto à ANVISA, que, por sua vez, exige uma série de requisitos visuais de embalagem, onde se insere a exigência de marca registrada.

 

Embora o sistema jurídico não exija que o comerciante ou prestador de serviços em geral tenha marca registrada, já referimos em artigo nosso que é pouco inteligente e nada prudente não ter marca registrada. Veja em https://www.marcasepatente.com.br/e-legalmente-obrigatorio-ter-uma-marca-registrada-para-prestar-servicos-ou-vender-produtos/.

 

Pois bem, feita tal ressalva, prosseguimos. Se por um lado o sistema não exige que a pessoa tenha que ter uma marca registrada para seu produto ou serviço, também é verdade que o registro de marca impõe o USO posterior ao registro.

 

Como é possível de ver acima, usamos a expressão IMPÕE. Para evitar dizer que é obrigatório. O termo obrigatório é utilizado para casos onde surge uma obrigação de alguém para outra pessoa. No caso dos registros de marcas não existe a obrigação de usar marca. O que existe – e portanto seu uso torna-se impositivo – é o ÔNUS pelo não uso.

 

Neste caso, compreende-se com Ônus as consequências jurídicas pelo não exercício de determinada condição. Por exemplo, vamos tomar o caso da prescrição de direitos, que basicamente é a perda do direito de ação pela inércia em não promover a ação judicial no tempo assinalado para tal (artigo 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206 – CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO). Veja ao final a redação destes artigos no tópico links externos.

 

Pois bem, em geral não há uma regra que OBRIGUE alguém a defender seu direito, ajuizando uma ação. Mas há o ÔNUS para quem deixar de exercer tal direito, em determinado prazo: a perda do direito de ação. A pessoa não está obrigada a defesa de um direito. Mas sofrerá todas as consequências (ônus) disso.

 

Assim ocorre com quem não usa a marca registrada. Não há a obrigação de usar uma marca registrada. Mas se uso não ocorrer, a partir de determinado momento poderá surgir o ÔNUS da  perda da marca, por decreto administrativo de caducidade.

 

Com efeito, a lei 9279/96, que regula os direitos de propriedade industrial, e os direitos e repercussões do uso de marca, define o não uso da marca como fundamento ou causa para extinção do registro de marca:

 

Art. 142. O registro da marca extingue-se:

I – pela expiração do prazo de vigência;

II – pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca;

III – pela caducidade; ou

IV – pela inobservância do disposto no art. 217.

 

E o artigo 143, define o que é caducidade de registro de marca e aspectos gerais:

 

Art. 143 – Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:

I – o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou

II – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

  • 1º Não ocorrerá caducidade se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas.
  • 2º O titular será intimado para se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias, cabendo-lhe o ônus de provar o uso da marca ou justificar seu desuso por razões legítimas.

 

Ou seja, se pessoa não iniciar o uso em cinco anos, ou interromper o uso por cinco anos, ou não mais usar a marca como está no registro de marca há mais de cinco anos, ela poderá ser declarada administrativamente caduca pelo INPI. Tal ato administrativo possui força extintiva.

 

Então, a pessoa deve usar sua marca. E tal uso deve ser exatamente como está no seu registro de marca. De nada adianta ter registro de marca mista de um jeito, e a pessoa usar a marca com aparência gráfica diferente da forma como foi registrada. Este é um aspecto prático bastante importante na vida da marca.

 

Portanto,  este importante ativo da propriedade industrial deve ser adequadamente monitorado quanto ao  seu USO. Pois é muito comum alguns profissionais de marketing fazerem uma “releitura ou repaginação” da marca, visando modernizar a identidade visual e o trade dress.

 

Pois, MUDAR a marca, passando a usá-la de forma DIFERENTE da que foi deferido o registro, estará criando o estado de não uso. Estará correndo, pois, sério risco de perder a marca.  Este tópico, por si, já revela a importância do tema nuclear desse ensaio, que é o uso, propriedade e caducidade de marca.

 

  • A comprovação deste uso para segurança da marca.

 

Prosseguindo sobre  caducidade de registro de marca, é imperativo concluir neste ponto do texto que a utilização do signo é elemento crucial para a existência da marca registrada. Portanto, é medida de cautela de que o empresário tenha meios para provar o uso, acaso a concorrência venha a reclamar perante o INPI que a sua marca não está sendo usada.

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Há certas concorrências acirradas e pessoalizadas entre empresas, muitas vezes no entorno de similaridades de marcas, surgidas com ou sem boa-fé. Neste cenário, antiga forma de ataque é justamente ingressar com pedido de caducidade da marca do adversário, alegando o não uso. Isso ocorre quando o empresário possui uso mais modesto e de pouca visibilidade da marca. Pode ser pensado: mas que produto ou serviço é prestado de vez em quando?

 

Pois bem, isso não é comum, mas existe. E no caso de caducidade de registro de marca, quepode ser fatal, prudência e reflexão nunca é demais. Cite-se o caso de empresas militares cujos serviços possuem preços tão elevados que a venda leva ANOS para se concretizar e os clientes são NAÇÕES ou ENTES PÚBLICOS. Imagine-se a compra e venda de sistema de vigilância aérea, drones que ficam voando longos períodos. Um sistema destes pode custar centenas de milhões e a venda se operar a cada quatro anos.

 

Portanto, é plenamente recomendável que o empresário tenha estocado e armazenado vários itens:

– produtos ou prova da prestação de serviço acompanhados da devida nota fiscal, emitida de tempos em tempos e, claro, em período não superior a cinco anos.

– Material gráfico da marca.

– Cópia de campanhas publicitárias usando a marca, com a respectiva prova da DATA.

 

A lista pode ser imensa, para cada tipo de empresa. Porém, o documento mais evidente, fácil e confiável é a NOTA FISCAL. Porém a nota fiscal faz prova apenas da parte NOMINATIVA da marca. Porque não aparece o logotipo  ou forma MISTA ou FIGURATIVA da marca do produto o u serviço prestado.

Então, deve haver a conjugação da nota fiscal com outra prova do uso. Que podem ser de diversas naturezas, sendo preferíveis aquelas que tenham registros públicos do uso (jornais com propagandas ostentando o logotipo).

 

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA já assentou em muitos casos que a caducidade é forma de extinção da marca, decorrente do não uso da mesma. Isso pode ser visto, por exemplo, no caso do julgamento do REsp 649261. Veja ao final o link externo sobre isso.

 

Evidentemente que para toda regra há exceção. Não ocorre caducidade se o não uso decorrer de razões legítimas. Por exemplo, ocorre razão legítima se o uso foi interrompido por decorrência de impedimento na obtenção de licença de ANVISA, quando tal atraso não seja imputável à empresa, mas sim ao ente público.

 

Tal caso foi julgado pelo STJ no RESP 1.377.159, cujo teor pode ser visto  no link CASO ANVISA, ao final no tópuco links externos.

Portanto, guardar provas do uso da marca, é fundamental para a segurança da mesma.

 

  • Os direitos que o simples uso (sem registro) pode conferir. Uso e propriedade.

 

Proseguindo no tema  do uso, propriedade e caducidade de registro de marca, merece ser dito inicialmente que o sistema de marca brasileiro é atributivo de direito. Isso quer dizer que a propriedade da marca somente se adquire pelo registro validamente concedido. A propriedade formal da marca pode ser afastada, se o registro for anulado em razão da detecção de alguma nulidade no processo administrativo de concessão do registro de marca.

 

Em razão do sistema atributivo de direito, portanto, o mero USO de marca não registrada não confere a propriedade da marca, que deve ser buscada através de pedido de registro.

 

Porém, o uso confere certa gama de direitos ao usuário anterior. Os dois principais deles são a (1) preferência ou prelação do usuário anterior, para fins de disputa tempestiva em processo administrativo perante o INPI e (2) a possibilidade de defender o usuário através do fundamento da concorrência desleal, com base no artigo 195, da lei 9279/96.

 

Para o item 1, supra, relembre-se a hipótese da empresa que usa uma marca e um terceiro, oportunista (ou simples coincidência, sem má-fé) pede um registro da marca. Porém, o usuário anterior se dá conta disso, a tempo de formular tempestivamente um pedido da mesma marca para si e concomitantemente formular também a oposição administrativa ao pedido daquele outro que em verdade teria usado posteriormente a marca.

 

Nesta disputa, se aquele que pediu o registro DEPOIS comprovar que usava ANTES do PRIMEIRO PEDIDO, ele deve alcançar a vitória, que é alcançada com o INDEFERIMENTO do pedido formulado em PRIMEIRO pelo adversário. E, claro, com a concessão do registro ao usuário anterior que chegou em segundo no INPI.

 

Veja-se, que o uso anterior, pois, confere meramente uma preferência numa disputa. Mas o simples uso não confere a propriedade sobre a marca.

 

Quanto ao segundo caso acima especificado, 2, retro, é o caso da pessoa que usa a marca por anos, sem registrá-la. Até que surge alguém que passa a usar a mesma marca, também registrá-la. O prejudicado pode ingressar em juízo e fazer cessar tal uso, alegando o fundamento de tal ato constitui concorrência desleal, conforme o artigo 195, da lei 9279/96.

 

Antes que se pense que “então eu não preciso fazer registro da marca, pois basta eu alegar concorrência desleal”, é importante salientar que tal situação é absolutamente INSEGURA. E extremamente aventureira e leviana. Já que aquele que não registra a marca pode vir a ter que cessar o uso, sem um terceiro vier a pedir o registro perante o INPI e obtê-lo.

 

Então, basear-se apenas no uso da marca, deixando de registrá-la, não é uma opção para que não quer sofrer prejuízos com a perda da marca. É necessário que a marca seja registrada para que o usuário possa gozar da segurança da propriedade.

 

LINKS EXTERNOS:

 

CADUCIDADE NO STJ

CASO ANVISA STJ

ARTIGOS 205 E 206 DO CCB

 

 

Autor: Carlos Ignacio Schmitt Sant´Anna –  ©