ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

O recurso contra indeferimento de registro de marca está previsto na lei 9279/96. Por força emanada da Constituição Federal, todos procedimentos administrativos devem seguir rito que tenha previsão de ampla cognição e contraditório. E tal noção, logicamente compreende a possibilidade de revisão de decisões administrativas, e para isso é necessário o recurso.

Para efeitos do presente artigo, cabe lembrar preambularmente três dispositivos constitucionais que delineiam a interferência judicial na administração do País e seus cidadãos:

 

Art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;” (princípio da inafastabilidade da jurisdição)

 

art. 5º, inciso LIV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (princípio do contraditório)

 

art. 5º, inciso LV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal ” (devido processo legal)

 

 

Tais cânons (CF, art. 5º, XXXV, LIV e LV) são as justificativas medulares que orientam a nossa dialética processual. Seja ela administrativa ou judicial.

 

E no caso do processo administrativo, além da norma do Olimpo, a garantia ao devido processo legal e ao contraditório estão positivadas na lei n. 9784/99 :

 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

 

O INPI – Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, autarquia responsável pela gestação, constituição e gestão dos direitos materiais de propriedade industrial  possui um rito processual que o distingue de muitos outros entes administrativos. Porém, se submete à CF e à lei 9784/99.

 

E a propósito, merece ser lembrado que a estrutura processual do INPI se sobrepõe e a diferencia face muitas outras congêneres, de outros entes da administração pública.

 

Primeiramente pela finalidade da estrutura processual. Enquanto nos diversos demais entes (salvo exceções) na maioria das vezes a finalidade do órgão administrativo processual é processar e  julgara requerimentos de gestão de direitos pré-existentes, para o INPI é diferente.

 

Pois, para o INPI essa estrutura se presta também a constituir direitos e bens.

 

Além disso, segundo, é uma construção complexa, cuja erição exige a iniciativa e participação do interessado em uma dinâmica bastante atípica: o direito a ser constituído é de propriedade sobre algo. Porém esse algo, que somente existirá a partir de sua constituição, é uma marca. Bem é uma coisa, e direito é outra. O bem é a marca, e o principal direito que emane dela é o de propriedade (embora o artigo 5º, da lei 9279, não use essa lógica dual) Bem e direito que nascem juntos.

 

Este segundo aspecto aqui comentado possui elevada importância do ponto de vista econômico, pois dele podem advir influências na formação e alteração de patrimônios. Formam-se bens e direitos com valor econômicos (marcas, patentes, desenhos industriais, etc…). Isso possui o efeito prático de fazer convergir enorme interesse e empenho por partes dos interessados.

 

O terceiro ponto é que a formação dos bens e direitos é feita de atos administrativos com uma respectiva dialética formada por atos consensuais e atos coercitivos. Atos consensuais são as manifestações de vontade do titular e que são aceitos pelo titular. E os coercitivos são aqueles cuja dicção decorre de uma decisão processual decorrente de julgamento de discordância entre órgão e requerentes.

Na verdade, o que se vê é um corredor administrativo através do qual o interessado vai construindo dinâmicamente seu direito e bem, conforme sua vontade, porém dentro das regras procedimentais e materiais.

 

O INPI fornece o corredor e fiscaliza a concessão, basicamente analisando as proibições legais, pois tudo que não é proibido, pode, conforme diz a nossa Carta (art. 5º, II – “… ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.“).

 

Todo esse raciocínio permite concluir que a marca é um bem móvel eminentemente privado, pois é fruto da criação e concentração volitiva de um  ente privado, propiciado assim pelo ente público.Cuja existência, em tese somente deixará de existir por vontade do titular ou por decretação judicial de nulidade.

 

Estes elementos fáticos que estão presentes na dialética do INPI é que explicam porque motivo o processo administrativo ali pois mais atos  de conteúdo decisório material que a grande maioria dos demais entes administrativos. Bem como o também de que o INPI lida com um contraditório mais amplo do que o
costumeiramente encontrado em outras entidades.

 

Não é coincidência a presença de tais elementos, que decorre de cautelas tomadas pelo legislador por tratar de atos do Estado que influenciam diretamente o particular. E isso recomenda e exige maior atenção do interessado neste tipo de processo.

 

Confiram-se dados estatísticos do operacional principal do INPI, a relevar a atividade processual daquela autarquia. A quantidade de processos e a existência de preocupação medular daquele órgão com estatísticas, parece revelar a estatura da importância deste específico processo administrativo:

 

 

Essa realidade parece aconselhar cuidado maior com o processo administrativo do INPI, dadas a qualidade de suas repercussões na vida real dos direitos e das pessoas. Neste processo é que se insere o RECURSO CONTRA INDEFERIMENTO DE MARCA, já que o mesmo nada mais é do que o reflexo de um revés material para a parte interessada.

 

O RECURSO ADMINISTRATIVO COMO FERRAMENTA

 

 

 

O recurso contra indeferimento de registro de marca é a via legal para o interessado e legitimado manifestar sua inconformidade em face da decisão administrativa que indeferir o registro de marca.

 

É oportuno lembrar, antes de ingressar em tal mérito, que a propriedade das marcas se adquire somente com o registro válidamente requerido e concedido pela autarquia do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. É o que diz o caput do artigo 129, da lei n. 9279/96, verbis:

 

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

 

Esse assunto da imperiosidade de registrar-se a marca já foi tratado anteriormente. Da mesma forma, foram também abordados os motivos pelos quais a pessoa DEVE procurar registrar a sua marca. Preferencialmente com um profissional.

 

COMO É, SUCINTAMENTE, O PROCESSO DE MARCAS NO  INPI

 

Lembradas en passant essas premissas, efetuadas aqui para quem não passou pelos textos dos links acima, cabe prosseguir lembrando também que a forma de obter registro de marca é o processo administrativo, que:

 

–  inicia com pedido eletrônico (um formulário – que passa a infeliz e falsa sensação ao leigo de que registro de marca é fácil),

– com anexos de guia de retribuição dos atos do INPI,

– sua prova de pagamento,

– arquivo JPEG do logotipo (se a marca for mista  ou figurativa),

– procuração (se feito com procurador – o que recomendamos fortemente)

– contrato social (se o pedido for requerido em nome de pessoa jurídica)

– Recebe exame formal

– Recebe exame de mérito

– É deferido e, após pagas as custas do decênio, o registro é concedido por dez anos

 

Esse é o desfecho sem oposição ou exigências. Porém, nem sempre ocorre dessa forma.

 

Com efeito, há desfechos que podem causar reveses ao requerente. Imagine este: após o protocolo é realizado o exame formal e se nada der errado, o pedido é publicado. Se existirem problemas, o feito pode tanto ser arquivado definitivamente, como cair em exigência (o INPI formula exigência para suprir, se isso for possível). A publicação do pedido abre prazo para terceiros SE OPOREM, acaso tal pedido de registro atinja seus direitos. Pois bem, passado tal prazo da publicação, o INPI realiza o EXAME DE MÉRITO. Aqui chegamos no momento após o qual ocorre a decisão de INDEFERIMENTO do registro.

 

Surge a questão: porque o exame de mérito pode acarretar o indeferimento do registro de marca?

 

 

 

O EXAME DE MÉRITO E O INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REGISTRO

 

 

A resposta à questão supra reside no conteúdo do exame. É justamente através de tal exame que será verificado se o pedido incorre ou não nas proibições legais. Essas proibições legais estão relacionadas no artigo 124, da lei n. 9279/96. De todas, elegemos aqui as que mais acarretam indeferimentos:

 

Art. 124, XIX – Colidência com outra marca já registrada

(XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;)

 

Art. 124, V – Reprodução de parte ou todo de elemento distintivo de título de estabelecimento ou razão social.

(V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;)

 

  • 124, VI

(VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;)

 

 

 

Com efeito, o artigo 124 é uma lista das proibições legais materiais que acarretam o INDEFERIMENTO DO REGISTRO.

 

São várias, pois, as situações que podem determinar que o pedido seja fulminado no mérito, acarretando seu inferimento. E forçando a parte a usar o recurso contra indeferimento de registro de marca.

 

A INTIMAÇÃO OCORRE ATRAVÉS DA RPI. E O PROCESSO DEVE SER MONITORADO POR PROFISSIONAL.

 

O indeferimento, como qualquer outro ato decisório que acarrete alteração nos direitos da parte postulante, deverá ser cientificado ao interessado através de intimação.

 

A propósito, a intimação ocorre através da publicação no Diário Oficial do INPI, que se chama Revista do Propriedade Industrial – RPI, a qual é publicada todas as terças-feiras.

 

Antes e em outros artigos, recomendamos fortemente que o interessado “não-profissional” ou leigo em propriedade intelectual, procure um profissional  para representá-lo em todas atividades marcárias.

 

E aqui essa recomendação diz respeito à segurança de controle de intimações e saber quais medidas devem ser adotadas. A atividade do profissional é ampla (muito mais do que você pode imaginar), mas desde logo podem ser salientadas as seguintes:

 

 

– Estrutura para controle de prazos

– Conhecimento sobre a jurisprudência do INPI (jurisprudência é o conjunto de decisões que compõem a história decisória de um órgão)

– Conhecimento sobre as matérias que podem compôr um recurso

– Conhecimento sobre a forma dos recursos e como explanar os temas ali vertidos

– Conhecimento sobre estratégias: pode ser que seja melhor não recorrer e partir para outra. Ele vai saber isso. Ou seja, saber quando vale a pena recorrer e quando não vale.

– Conhecimento sobre como criar uma marca

 

Sem dúvida alguma a lista supra apresenta argumentos suficientes para que você desistar de se arvorar em uma área técnica que não é a sua e que apresenta uma série de dificuldades.

 

O USO DA FERRAMENTA DO RECURSO CONTRA INDEFERIMENTO DE MARCA

 

Entretanto, acaso ocorra o indeferimento e se conclua (ou seu profissional conclua) pela existência de alguma chance de exito no recurso (pois o INPI pode errar), deve usar da ferramenta processual adequada para modificar a decisão. Essa ferramenta é o Recurso contra Indeferimento.

 

É oportuno, agora, esclarecer que os recursos estão previstos nos artigos 212 à 215, da lei 9279/96. E especificamente no caso de indeferimento, a previsão está no caput do artigo 212, da citada lei:

 

Art. 212. Salvo expressa disposição em contrário, das decisões de que trata esta Lei cabe recurso, que será interposto no prazo de 60 (sessenta) dias.

 

Conforme a dicção da lei supra, o recurso deve ser interposto no prazo de sessenta dias, a contar da intimação, contando-se os dias de forma corrida, excluindo-se o dia da publicação, e iniciando no primeiro dia útil imediatamente subsequente ao dia da publicação.

 

AS DECISÕES CONTRA AS QUAIS NÃO CABE RECURSO

 

 

Porém, apesar da redação do caput, supra, em realidade não cabe recurso de TODAS as decisões. A exceção está prevista no parágrafo

 

  • Não cabe recurso da decisão que determinar o arquivamento definitivo de pedido de patente ou de registro e da que deferir pedido de patente, de certificado de adição ou de registro de marca.

 

Como visto e após certa de dose de reflexão sobre o tema, a lei deixou expressas conseqüências que seriam o desfecho lógico e razoável, de forma a evitar dúvidas e trabalhos desnecessários para todos.

 

Com efeito e tomando-se a primeira exceção recursal contra as marcas, ou seja, a decisão que “determinar o arquivamento definitivo”  do pedido de registro de marca, é possível constatar que a razão disso pode ser encontrada no termo “definitivo”. O termo definitivo significa quer significar aquele tipo de arquivamento que é o derradeiro e posterior à outro arquivamento.

 

Mas que outro arquivamento seria esse? Respondendo, é o primeiro arquivamento, passível de ser recorrido. Após o julgamento do recurso ou tendo passado o prazo para esse, o arquivamento torna-se “definitivo”. Encerra-se ainda a instância recursal administrativa.

 

Se o titular ainda vislumbrar ilegalidade e quiser, poderá questionar tal ato administrativo (questionar visando obter declaração de nulidade do mesmo) judicialmente, em momento posterior e dentro do prazo prescricional de cinco anos. Este prazo prescricional, para tal ação judicial, deve ser contado da data do trânsito em julgado (trânsito em julgado ocorre após encerarr-se a instância recursal) do recurso ou da data de intimação do ato, acaso não seja interposto o respectivo recurso.

 

Mas, retornando ao ponto das exceções, parece lógico que ENCERRADA a fase recursal, surgirá uma decisão mandando arquivar definitivamente. Contra esta decisão, não caberá recurso.

 

A outra exceção é do REGISTRO DE MARCA DEFERIDO. A lógica aqui decorre do fato de que existe outra via para atacar o um registro deferido. Com efeito, o eventual insatisfeito com tal deferimento (que não será o titular, mas sim um terceiro – é óbvio, mas bom que seja dito) tem à sua disposição da ação administrativa de nulidade, prevista no artigo 165, da LPI (lei 9279/96).

 

 

Nesse ensejo, cabe citar dicção da lei. Dispõe o artigo 165, do referido diploma legal:

 

Art. 165. É nulo o registro que for concedido em desacordo com as disposições desta Lei.

 

Então, se cabe o procedimento de nulidade, não teria sentido a lei disponibilizar também o recurso.

 

CONTEÚDO DO RECURSO

 

O conteúdo do recurso deve conter matéria que trate da ilegalidade da decisão que indeferiu o registro, de forma objetiva, pinçando-se os dispositivos vulnerados e indicando objetivamente qual seria o desfecho legal. O foco necessariamente será mais estreito e menos profundo que uma dialética judicial, necessariamente.

 

E nem por isso deve o operador embalar-se nas teses costumeiras do mundo judicial, como cerceamento de defesa, produção de provas e outra próprias do largo cenário jurisdicional. Esta métrica legal e contextual administrava deve ser considerada.

 

Quanto aos conteúdos da defesa material, são bastante amplos e não serão tratados aqui, mas em outro texto autônomo.

 

LINKS EXTERNOS:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

LEI 9784/99

LEI 9279/96

INPI

 

 

 

 

Carlos Ignacio Schmitt Sant´Anna (c)                             Blog MONTUP  www.MarcasePatente.com.br